Quem vai pela Rua de
Entrecampos em direcção à Ponte da Arrábida e vê, do lado
direito, os edifícios da Faculdade de Ciências, repara que os
globos de iluminação exterior da faculdade deitam uma luz verde e
mortiça, que não ilumina sequer a relva, quanto mais as cabeças
dos estudantes. Isto começou com uma teima do avaríssimo presidente
de um departamento da faculdade. O distinto senhor decidiu que os
gastos supérfluos em papel são para tempos de epidemias e
esquecimento, e que os gastos de luz são para tempos de escuridão.
Ele só não ainda não percebeu que vivemos tempos de esquecimento,
epidemias e escuridão, apesar de uns professores de História estarem fartos de lhe explicar isto. A melhor prova da nova
Idade das Trevas é exactamente esta necessidade de esperar por uma
Idade das Trevas para aprovar despesas em energia e papel. O senhor
doutor decidiu pedir uma alternativa aos colegas de Biologia, para
que lhe apresentassem uma "solução sustentável",
portanto uma "alternativa biológica" a esta situação
crítica de escassez de recursos. Então encheram os globos dos
ajardinados com luz de pirilampos (usaram cerca de seis mil destes
bichinhos). As folhas de rascunho dos exames passaram a ser tiradas
dos carvalhos e castanheiros dos jardins da faculdade, e nas casas de
banho decidiram pôr folhas de plátano. Poucos conhecem a razão
pela qual o Departamento de Biologia é o que se encontra mais
ricamente iluminado. É que, com a exportação de folhas e
pirilampos, tem recursos para mais dois anos de luz, papel e investigação. Só é
pena que os fundos para Biologia estejam agora a favorecer imenso a
pesquisa em bioluminescência e modificação genética da
pigmentação, recorte e textura do limbo de folhas de árvores.
O Cogumello Scientifico Illustrado
In Scientia Veritas
sexta-feira, 5 de dezembro de 2014
domingo, 10 de agosto de 2014
Casal de alentejanos resiste à TDT
No passado dia 2 de Agosto, um casal da região de Castelo de Vide anunciou uma aberração electromagnética na banda UHF através do seu televisor CRT, que foi intensamente zombada pelos media e descartada como irrelevante. Embora a adesão à Televisão Digital Terrestre tenha sido imensa no território nacional, devido à suspensão das emissões analógicas, há ainda uma faixa da população resistente que insiste em ver estática. Aparentemente, o sinal de rádio a 665 MHz cria uma orientação concêntrica da estática que, ao subir ligeiramente a frequência, forma uma distorção circular na matriz do ecrã. Acreditando inicialmente que se tratava de um Poltergeist, o senhor Rodrigues Moura chamou um padre a casa. O padre explicou que, apesar da frequência ser aproximada ao número da besta por cerca de 106 Hz, a distorção não pode ser obra de Satanás, já que tal inexactidão é incaracterística do diabo. Ao deixar o televisor ligado mais de duas horas, o senhor Rodrigues Moura descobriu uma mensagem codificada nas oscilações da estática:
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Aparentemente, a mensagem de origem desconhecida insiste para substituírem o televisor por um mais moderno. O senhor Rodrigues Moura alega ter respondido a esta mensagem enviando um telegrama na direcção do espaço sideral, usando uma lanterna:
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(O compadre ainda usa codigo morse e tem a lata de me mandar mudar de televisao?)
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Aparentemente, a mensagem de origem desconhecida insiste para substituírem o televisor por um mais moderno. O senhor Rodrigues Moura alega ter respondido a esta mensagem enviando um telegrama na direcção do espaço sideral, usando uma lanterna:
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(O compadre ainda usa codigo morse e tem a lata de me mandar mudar de televisao?)
quarta-feira, 19 de março de 2014
Oxydonna
A ILLUSTRE MARCA POMMEDUCIEL APRESENTA...
...uma galante fragrancia que mudará a
sua vida! Enriquecida com Oxytocina, dotada de um jovem aroma a
funcho e levadura de cerveja, esta magnifica droga odorifera é o fim
das suas inhibições! Para elles e para ellas! A suave Oxydonna
opera n'os senhores a metamorphose em magnificos cavalheiros
mundanos, e transforma as damas em bellas cortezãs de ellite.
Abandone a soledade com uma fresca nuvem d'este stimulante social
elaborado nos laboratorios da PommeduCiel a
partir dos mais avançados artificios e augmentos da chymica
organica. Conheça as variedades de Oxydonna enriquecidas
com pheromonas de simmio ou de traça.
Deseja estar na
moda? Quer atrahir a si a sociedade, a juventude e a fortuna? Compre
n'este dia a esplendida Oxydonna com exhalador para vaporação, n'um
mui bello e moderno frasco de arte franceza, e receba com esta
adquisição um pente em formaldehydo de urea com baixo relevo
allusivo ás mysticas rosas do Oriente.
É commerciante? Venda por
grosso: Laboratoire Médico-Pharmacologique de PommeduCiel; Docteur
René Suarez, 1 et 4, Rue de Riveblanc et Boulevard du Bonhiver -
PommeduCiel (Paris).
quarta-feira, 25 de setembro de 2013
Lágrima de crocodilo
No Egipto e na Mesopotâmia o vidro era ainda considerado um sólido. Não há provas de que fosse questionado se as contas, varetas, tigelas, frascos e jarros de vidro tinham a propriedade de ceder a pressões tangenciais ligeiras. No entanto, algumas experiências rigorosas conduzidas na actualidade permitem-nos concluir que o vidro é um líquido.
Todavia, o vidro não é apenas uma substância amorfa e
não-cristalina, fundamentalmente composta por sílica. Toda a substância de
estrutura não-cristalina dotada de transição vítrea é vidro[1].
O vidro é líquido por não ser dotado de uma transição de
fase de primeira ordem, não contendo transformação entre Estados de Equilíbrio
Termodinâmico. Consequentemente, este material não foi utilizado como isolante entre
Estados durante a Guerra Fria do século XX. A cortina de vidro nunca existiu, mas a cortina de ferro foi uma realidade constatável em dias de céu
limpo. Devido à sua fluidez lenta e difícil solidificação, o vidro foi quase
exclusivamente utilizado para fabricar lágrimas
de crocodilo (que eram adereços femininos, hoje considerados como artigos falsos e de utilidade duvidosa),
berlindes (utilizados como moeda entre os séculos XIX e XXII) e,
ocasionalmente, lentes para telescópios domésticos refractores[2]. É
narrado o uso do vidro para vedar janelas, mas tal aplicação é improvável e a
hipótese foi descartada como mito quando, nos anos 80 deste século, arqueólogos
japoneses descobriram que se utilizava papel com esse fim.
A transição vítrea permite-nos classificar o vidro como um
líquido, facto integralmente observável e directamente corroborado pela experiência:
os líquidos adaptam-se à forma que lhes é adjacente, e o vidro de um copo com
água adapta-se à forma da água.
A noção contra-intuitiva e errónea de que o vidro é um
sólido amorfo constitui um mito urbano alimentado por indivíduos que nunca
beberam um copo.
[1] Considera-se erroneamente
que certos artigos científicos carecem de transparência, substância e fluidez
quando, na realidade, eles possuem uma estrutura não cristalina dotada de
transição vítrea. São substâncias vítreas e, portanto, são fluídos e
transparentes.
[2] Aparelhos utilizados para
«ver estrelas», de acordo com a superstição antiga segundo a qual as estrelas
eram enormes corpos celestes incandescentes. Hoje é reconhecido pela comunidade
científica que as pancadas na cabeça e a baixa pressão arterial são os meios
apropriados para ver estrelas, que constituem uma anomalia da retina conhecida
como fosfeno.
quinta-feira, 13 de junho de 2013
A Polémica do planeta GJ 1214b
Em Dezembro de 2009 foi anunciada a descoberta do exoplaneta GJ1214b, da estrela anã vermelha Gliese 1214, à distância de 13 parsecs da Terra. Estima-se que a massa deste planeta seja 6.6 superior à da Terra e cerca de metade da sua massa seja constituída por gelo, envolvido por uma atmosfera de hidrogénio e hélio. Este planeta tem 2.7 do diâmetro da Terra e uma densidade inferior (1.9g/cm3), que foi calculada a partir da massa - medida a partir de alterações na velocidade radial da Gliese 1214 e alterações das respectivas linhas espectrais atribuídas ao efeito de Doppler - e o raio - medido por ocasião do trânsito do planeta em frente à sua estrela. Apesar de a gravidade de superfície ser surpreendentemente semelhante à da Terra (0.91g), as temperaturas demasiado elevadas, entre 120ºC e 280ºC, e a atmosfera de hidrogénio e hélio não pareciam fornecer perspectivas animadoras quanto à possibilidade de vida.
Esta conclusão seria exacta, não fosse uma descoberta recente alvoroçar a comunidade científica, resultando num grande impacto mediático. Os cientistas franceses Jean-Pierre Ambroise e Amélie Beauchamp, do projecto CaTEPP (Casse Tête Encore Pour les Planètes) detectaram uma fonte de dilítio no espectro do planeta. Após tornarem pública a descoberta, Ambroise e Beauchamp foram ridicularizados pelos meios de comunicação social e uma investigação posterior foi conduzida com o fim de estabelecer que a detecção de dilítio decorreu de um erro grosseiro de análise espectral. Amélie Beauchamp, diagnosticada com esquizofrenia paranóide, foi internada por tempo indefinido numa unidade psiquiátrica após a seguinte declaração à imprensa:
«A Federação dos Planetas Unidos está a tentar encobrir a nossa descoberta. A razão disto é por ser a segunda vez que a Primeira Directiva é ameaçada. Da primeira vez, foi construído um universo televisivo ficcional para encobrir o extenso testemunho de seis homens e duas mulheres que declararam, de modo consistente e independente, serem tripulantes da U.S.S. Enterprise em missão revolucionária. Estes admitiram que os esforços para manter em segredo a existência de O.V.N.I.'s associados às missões da Enterprise criariam mais vítimas do que protegeriam a civilização da descoberta prematura de vida alienígena. Deixaram registado que vinham do século 24, mais precisamente do ano 2373. Embora não tenha sido dado crédito inicial a estas pessoas, formou-se uma cultura, conhecida por "trekkie", que, ao contrário do que se crê, é anterior à série televisiva que se julga estar na sua origem. O fenómeno televisivo e cinematográfico foi criado com o apoio da ONU e da Federação, que acordaram sobre a necessidade de tornar aparentemente ficcionais os relatos abundantemente documentados, os vídeos, as fotografias e as análises científicas que especificam aspectos relacionados com todo o universo que pretendem encobrir, apesar de alguns destes terem passado para a Wikileaks. Tendo sido estabelecido que os cristais de dilítio são ficcionais, a descoberta dos mesmos foi alvo de uma perseguição que pretende lançar o ridículo e o descrédito sobre uma investigação séria, pela simples razão de esta estar em conformidade com certas crenças da comunidade trekkie. A maioria dos membros desta comunidade já está confusa sobre a origem das suas crenças, porque as intervenções editoriais efectuadas na história do século XX e na memória dos cidadãos do planeta sugerem que a data do primeiro episódio da série é anterior à cultura trekkie, quando isto é manifestamente um dado manipulado para manter, através do descrédito, o secretismo da Federação. Os seres humanos têm o direito a saber a verdade. Só assim é que a missão revolucionária dos tripulantes da Enteprise não terá sido em vão. Eles afirmaram que o GJ1214b é um planeta de Classe M porque foi terraformado por vulcanos com o fim de explorar as minas de dilítio. E a nossa investigação sugere que tinham razão.»
No dia 2 de Junho, Jean-Pierre Ambroise cometeu suicídio após ter declarado à imprensa que os registos da investigação foram selectivamente eliminados de todas as bases de dados, e mesmo os dados impressos foram consumidos por um incêndio, alegadamente causado por um aquecedor. Após este trágico incidente, as investigações sobre o Gliese 1214b foram suspendidas. Todavia, Ban Ki-moon, o actual secretário-geral das Nações Unidas levantou, contra as suas melhores intenções, uma polémica mediática após ter cometido o lapso de abordar a chanceler alemã, Angela Merkel, com a saudação «Vida longa e próspera».
quarta-feira, 8 de maio de 2013
Lucidia Hallucinata
A Lucidia hallucinata (Linn.), também conhecida como Prímula
do Diabo, é uma planta em vias de extinção nativa das ilhas de
Aiputo, no Pacífico Sul. Pertencente à família das Primuláceas,
esta planta cresce em solos perturbados pelas toxinas patogénicas da
bactéria alienococcus lucidus. A floração desta espécie é
frequentemente confundida com a floração da Lucidia vulgaris, mas
demonstra, em todos os seus aspectos distintivos, uma marcada aversão
a espaços confinados, pelo que nunca pode ser mantida em vasos ou
estufas. A parte superior das pétalas apresenta comummente um
pigmento sanguíneo devido às alergias contraídas no contacto com
outras plantas. Todavia, a característica mais distintiva desta
espécie é a sua tendência para enlouquecer e metamorfosear-se em
borboleta não-euclidiana. Este lepidóptero descreve aparições
erráticas, aparecendo e desaparecendo no espaço deformado pelo
cruzamento de geometrias paradoxais.
Antes de enlouquecer, a Prímula do Diabo apresenta sinais de uma
lucidez inconfundível: as suas pétalas ficam transparentes e
brilham no escuro. Ao anoitecer, a hallucinata produz um
solilóquio que encerra toda a sua obra filosófica e literária. No
trânsito para a demência, toda a planta – da raiz até ao estigma
– sonha e murmura, deixando no ar cintilações perigosas que se
desprendem da superfície das pétalas e atingem os 1500 metros de
altitude. Quando, finalmente, a planta se transforma em lepidóptero,
perde a raiz e ganha asas; oscila entre espaços planos e curvos e
experimenta, na sua vida breve, todas as contradições alucinadas da
flor da existência. O génio da hallucinata evolui quase
invariavelmente para a demência prematura. Por isso, a sabedoria
popular faz constar que esta planta não é uma criatura de Deus, mas
sim a Prímula do Diabo.
quinta-feira, 31 de janeiro de 2013
Amanita Satirica
O Cogumelo Amanita Satirica é uma frutificação esgrouviada do género dos fungos Basidiomicetos e constitui uma de cerca de seiscentas espécies de Amanitácios. Os seus esporos são brancos e inofensivos, mas a ingestão do corpo deste fungo provoca intoxicação por ácido iboténico, psicoactivo e alucinogéneo, que se encontra neste organismo diletante e influente até nos mais altos círculos da micomania.
O micélio obscuro é o elemento principal do Amanita Satirica, e permanece modestamente escondido na terra, da qual absorve nutrientes orgânicos para originar a frutificação pomposa que se eleva do solo donde se originou, através do talo vanitoso (lat. "vaidoso"). Embora tenha um chapéu, não tem cabeça. Logo, este fungo é afrénico. A cutícula superficial de todos os Satirica desconhece a profundidade e não deixa passar a luz.
Este organismo encontra-se facilmente nas hortas dos micólogos lunáticos, nos frigoríficos de criticómanos desenfreados, e na parte lateral do giro frontal inferior no córtice cerebral de homo sapiens sugestionáveis ou enfraquecidos por tecno-cientite.
A permanência deste organismo no lobo frontal dos pacientes é parasitária, observável através de tomografia computorizada, e, uma vez que é grande e invasivo, é extraído aquando da secção selectiva da superfície supero-lateral. A remoção pode prejudicar a memória de curto prazo e incapacitar os pacientes de fazerem rimas, tanto mais se forem satíricas.
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